Como os passarinhos estão se tornando seres urbanos
- Fonte: G1
- 6 de ago. de 2018
- 3 min de leitura
tire o primeiro grão de milho quem nunca deu comida aos passarinhos, seja num parque, numa praça ou no quintal de casa. Pois essa prática – muitas vezes condenada, principalmente no caso de pombos que podem se tornar vetores de doenças –, de acordo com cientistas, é um fator preponderante para que as aves estejam se tornando cada vez mais animais urbanos.
Faz todo o sentido. Enquanto no meio rural a alimentação de muitos passarinhos é cada vez mais nociva a eles - por conta dos agrotóxicos aplicados às plantações - e o desmatamento deixa o ambiente inóspito para descansos e o próprio processo de construção de ninhos, as cidades são convidativas: comida farta - cortesia dos humanos - e áreas verdes como parques e praças, geralmente bem-providas de árvores.
Este cenário é apresentado em estudo recém-publicado pelo periódico especializado The Condor: Ornithological Applications. Cientistas da Universidade de Illinois Urbana-Champaign refizeram um levantamento realizado inicialmente entre 1906 e 1909 para compreender as mudanças de habitat das aves do Estado americano de Illinois.
Com base em modelos matemáticos, concluíram que a ocupação territorial dos pássaros mudou - e muito. E, apostam os cientistas, essa amostragem pode ser replicada em qualquer lugar urbanizado do mundo com um enorme grau de semelhança.
Pássaros encontram ampla oferta de comida nas grandes cidades (Foto: MARIANA VEIGA)
No total, foram catalogadas 66 espécies diferentes de aves. E, conforme apontam os resultados, as 40 que se adaptaram aos meios urbanos aumentaram a população - enquanto as outras 26 viram seu tamanho diminuir.
De acordo com o ornitólogo Michael Ward, professor do Departamento de Recursos Naturais e Ciências Ambientais da Universidade de Illinois Urbana-Champaign, isso aconteceu porque, ao longo do século 20, "os habitats urbanos tornaram-se mais favoráveis aos pássaros, à medida que a agricultura se desenvolveu e o gesto de dar comida às aves se tornou mais popular".
As pequenas e diversificadas plantações, antes um prato cheio para passarinhos, se transformaram em vastas monoculturas de milho e soja com manejo industrial, ou seja, uso intensivo de herbicidas e pesticidas. Um tempero nada agradável, praticamente um recado de que aquilo não era para o seu bico.
"É necessário entender como é que as espécies usam e respondem a mudanças não apenas em seu habitat primário, mas também em habitats só utilizados ocasionalmente", comenta o ornitólogo. "O que entendemos é que aquelas espécies que podem tirar proveito de habitats alternativos, estas conseguem expandir suas populações."
Uso intensivo de herbicidas e pesticidas se tornou um 'tempero' nada agradável aos pássaros na zona rural (Foto: M.K. RUBEY)
O professor diz que o passo seguinte do trabalho agora é compreender justamente quais espécies são capazes dessa adaptação. E quais não são. "Isto nos permitirá prever melhor quais precisam de esforços de conservação. Habitats urbanos são os em que muitas espécies têm conseguido procriar mais. A população em geral, ao fornecer alimentação e um certo abrigo em seus quintais, tem a oportunidade de ajudar uma variedade enorme de espécies."
Novos olhares
A comunidade acadêmica entende que esse estudo abre um novo leque de possibilidades para a compreensão das populações animais. Isto porque ele quebra um paradigma: o de que necessariamente a transformação de um habitat interfere no tamanho de suas populações. Pode haver uma adaptação - e a consequente troca de um habitat por outro.
"Ao tentar explicar as mudanças no tamanho e na distribuição da população, os biólogos geralmente olham primeiro para as mudanças nos habitats que estão mais intimamente associados com uma espécie. Este estudo, por sua vez, mostra que esses habitats primários, como denominados pelos autores, não necessariamente representam mudanças na população", comenta a bióloga, zoóloga e ecologista Amanda Rodewald, do Cornell Lab of Ornithology, da Universidade de Cornell, nos Estados Unidos.

"Anteriormente", prossegue a pesquisadora, "a extensão em que uma espécie usa habitats novos ou alternativos, como áreas urbanas, poderia explicar melhor os padrões. Uma implicação importante para a conservação é que rastrear espécies dentro de habitats alternativos pode ajudar os biólogos a entender, antecipar e potencialmente mitigar mudanças populacionais".
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